
Quem ensina os os da longa – e penosa – caminhada da Educação Ambiental (EA) no planeta é a professora titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Sueli Almuiña Holmer Silva, doutora em Educação.
De acordo com seu estudo “Histórico da educação ambiental no Brasil e no mundo”, no auge da guerra fria e ao tempo dos cruentos combates travados na península da Indochina, os anos de 1960 assinalaram, na esteira dos primeiros movimentos pacifistas, feministas e antirracistas, também a eclosão do movimento ecológico.
Os impactos ambientais da corrida pela reindustrialização do pós-Segunda Guerra já apresentavam severa fatura sob a forma de poluição e escassez de recursos naturais. Poucos anos antes, em dezembro de 1952, relembra Silva, a capital inglesa viveu um cenário de terror absoluto, quando cerca de 12 mil londrinos perderam a vida e outros 100 mil caíram doentes em decorrência de brutal poluição atmosférica de origem industrial. O dramático episódio entrou para o registro histórico sob o nome de Grande Smog.
Fatos assim foram aguçando a percepção geral dos impactos ecológicos e da consequente perda de qualidade de vida, frutos de um modelo de desenvolvimento incabível. Março de 1965 marca a realização da Conferência de Educação da Universidade de Keele, na mesma Inglaterra, quando se enuncia, pela 1ª vez, a expressão Educação Ambiental.
A gravidade da situação ficou mais nítida com a publicação em 1972, pelo chamado Clube de Roma, grupo formado por especialistas de diversos países, do relatório “Os limites do crescimento”, demonstrando a insustentabilidade do modelo de desenvolvimento e alertando para a emergente crise ambiental.
Corrida de obstáculos
A forte repercussão do relatório e as crescentes manifestações ambientalistas levaram a Organização das Nações Unidas (ONU), afirma a professora, a promover, ainda naquele ano, o primeiro evento internacional dedicado à questão, a “Conferência sobre o Ambiente Humano”, em Estocolmo (Suécia). A perspectiva antropocêntrica, contudo, estava implícita no próprio nome do evento, cujo documento final recomendava a criação do Programa Internacional de Educação Ambiental.
Três anos depois, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) realizava o Seminário Internacional sobre Educação Ambiental, na capital da então Iugoslávia, de onde saiu o primeiro documento oficial exclusivo sobre o tema, a Carta de Belgrado, com princípios e orientações gerais para um programa internacional de EA.
O ano de 1977 acolheria um ponto culminante nessa trajetória, a primeira Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, realizada na cidade de Tbilisi, capital e maior cidade da Georgia, à época uma das repúblicas soviéticas.
O encontro definiu objetivos e estratégias de âmbito nacional e internacional para a EA, e encontrou, nas palavras do senegalês Amadou-Mahtar M’Bow, o mais longevo diretor-geral da Unesco, um resumo perfeito: “Para que a Educação Ambiental alcance seus objetivos, não basta torná-la um complemento dos programas educativos. É necessário encarar as preocupações relativas ao meio ambiente como uma dimensão e uma função permanentes da educação escolar e extraescolar, em seu sentido mais amplo”. Diante dessa perspectiva, a educação ambiental deveria contribuir largamente para a renovação dos sistemas de ensino.
Segundo a publicação do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) “Educação Ambiental: As Grandes Diretrizes da Conferência de Tbilisi”, de 1996, para o órgão das Nações Unidas a “educação ambiental deveria ser um setor privilegiado da cooperação regional e sub-regional, implicando também a cooperação internacional mais ampla possível”. Ao conceber a educação em suas relações com o desenvolvimento, a Unesco “aborda os diferentes aspectos de sua interdependência com as ciências exatas e naturais, as ciências sociais, a cultura e a comunicação. Esta orientação leva à estreita cooperação da Unesco com os demais organismos das Nações Unidas que se interessam pelo ensino e pela formação, em particular com o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).
No começo dos anos 1980 é criada pela ONU a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, “com o objetivo de examinar os problemas ambientais e do desenvolvimento no âmbito planetário”, observava Eliane Fiaccone, especialista em Gestão Ambiental, em monografia de 2015.
Em 1987, parceria Unesco/PNUMA promove o Congresso Internacional sobre Educação e Formação relativas ao Meio Ambiente, em Moscou (atual capital russa e, no período, da União Soviética). O documento ”Estratégia Internacional de Ação em Matéria de Educação e Formação Ambiental para o Decênio de 1990”, explica Fiaccone, enfatizava a ”necessidade de formação de recursos humanos para atuar na EA formal e não formal” e recomendava a “inclusão da dimensão ambiental nos currículos de todos os níveis de ensino”.
Rio 92
O ano é 1992 e chegamos ao Rio de Janeiro, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco 92, ou Cúpula da Terra, que reuniu chefes de Estado e representantes de 179 países, organismos internacionais, milhares de organizações não governamentais e teve participação direta da população.
Um marco nas discussões sobre preservação ambiental e desenvolvimento sustentável, veio legitimar “uma nova concepção de desenvolvimento”, dizia Pedro Jacobi, professor associado da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP).
Paralelamente à Conferência, ONGs ambientais e outras realizaram um Fórum no qual foi elaborado o Tratado de Educação Ambiental para a Responsabilidade Social e as Sociedades Sustentáveis, referência para a orientação ética e política no campo da EA. Esse documento, além de manter as orientações de Tbilisi, incorporou questões sociopolíticas na proposta de educação ambiental, “afirmando o caráter crítico, político e emancipatório dessa prática educativa”, anotaram em 2007 Marcos Sorrentino, atual diretor do Departamento de Educação Ambiental e Cidadania da Secretaria Executiva do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e Rachel Trajber, então Coordenadora-Geral de Educação Ambiental do Ministério da Educação, hoje responsável pelo projeto Cemaden Educação, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Tratava-se de avançar na substituição do conceito de desenvolvimento sustentável pelo de sociedades sustentáveis, construídas, diziam Sorrentino e Trajber, a partir de princípios democráticos em modelos participativos de educação popular e gestão ambiental”.
Conferência representou um marco para o avanço na temática ambiental no mundo
Brasil
Na década de 1970, quando o Brasil atravessava anos de chumbo, a crítica e o debate político não tinham espaço para prosperar. Nesse clima, a própria abordagem da questão ambiental sofria influências conservadoras, subordinada a uma orientação tecnocrática e autoritária, que via na preservação ambiental um obstáculo ao projeto desenvolvimentista em curso. Não obstante, a pressão de organismos internacionais e dos movimentos sociais e ONGs levou o governo militar a criar o primeiro órgão nacional do meio ambiente, a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) em 1973.
O interesse crescente pelas questões ambientais, lembra a professora Silva, manifestou-se também no meio acadêmico, com o surgimento do primeiro curso de pós-graduação em Ecologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que foi seguida pelas universidades do Amazonas, Brasília, Campinas, São Paulo e São José dos Campos, registram Fiaccone e outros, no estudo de 2015.
O Conselho Federal de Educação torna obrigatória a disciplina Ciências Ambientais em cursos universitários de Engenharia em 1977. Quatro anos mais tarde, foi instituído o primeiro marco legal na proteção ao meio ambiente no Brasil, a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispôs sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), que incluía a dimensão ambiental na gestão das políticas públicas e estabelecia a necessidade de promover a “educação ambiental em todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente”.
A Constituição Federal de 1988 ratifica a determinação da PNMA, estabelecendo que cabe ao poder público “promover a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.
Poucos meses adiante é criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que contribuiu para a institucionalização da EA no país por meio da criação dos Núcleos de Educação Ambiental (NEA), em 1993.
Criação do IBAMA pavimentou o caminho para estruturação da Educação Ambiental no Brasil
Princípios e objetivos
A partir da década de 1990, testemunhamos a consolidação da Educação Ambiental no país, com um conjunto expressivo de políticas públicas, coroadas pela criação do Ministério do Meio Ambiente, em 1992. Em 1996, a Educação Ambiental foi incluída no Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal pela primeira vez.
Em outubro de 1997, acontece a I Conferência Nacional de Educação Ambiental, com quase 3 mil participantes, em Brasília. Daí decorre a formulação da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), consubstanciada na Lei 9.795, de 27 de abril de 1999, regulamentada em definitivo em 2002.
Seus princípios básicos destacam o “enfoque humanista, holístico, democrático e participativo; a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade; o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade; a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais; a garantia de continuidade e permanência do processo educativo; a permanente avaliação crítica do processo educativo; a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais” e o “reconhecimento e respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural”.
Segundo o mesmo dispositivo legal, são objetivos fundamentais da Educação Ambiental:
“I – o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos;
II – a garantia de democratização das informações ambientais;
III – o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental e social;
IV – o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania;
V – o estímulo à cooperação entre as diversas regiões do País, em níveis micro e macrorregionais, com vistas à construção de uma sociedade ambientalmente equilibrada, fundada nos princípios da liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade e sustentabilidade;
VI – o fortalecimento da cidadania, autodeterminação da integração com a ciência e a tecnologia;
VII – o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e solidariedade como fundamentos para o futuro da humanidade;
VIII – o estímulo à participação individual e coletiva, inclusive das escolas de todos os níveis de ensino, nas ações de prevenção, de mitigação e de adaptação relacionadas às mudanças do clima e no estancamento da perda de biodiversidade, bem como na educação direcionada à percepção de riscos e de vulnerabilidades a desastres socioambientais”; e
“IX – o auxílio à consecução dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, da Política Nacional sobre Mudança do Clima, da Política Nacional da Biodiversidade, da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, do Programa Nacional de Educação Ambiental e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental, entre outros direcionados à melhoria das condições de vida e da qualidade ambiental” (os dois últimos incluídos à legislação pela Lei 14.926, de 2024).
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Paulo Barcala
*Fotos: Michos Tzovaras/UN/Fonte: Agência Senado; Advocacia Geral da União/Divulgação