
Na UTE Peixe Bravo, a cultura popular cultivada às margens do Rio das Velhas é a principal riqueza. 1y2a3b
Logo após a Região Metropolitana de Belo Horizonte, na região central mineira, está a Unidade Territorial Estratégica (UTE) Peixe Bravo. Formada pelas cidades de Jequitibá, Santana de Pirapama e Presidente Juscelino, o território é marcado pela riqueza cultural de seu povo. As três cidades, situadas na porção Média-Baixa da Bacia Hidrográfica Rio das Velhas, guardam diversas festas populares que, ano após ano, mantêm as tradições culturais e religiosas da região.
Recentemente, a UTE Peixe Bravo também ganhou um reforço na luta pelos usos múltiplos da água: no fim de setembro, o Subcomitê de Bacia Hidrográfica (SCBH) Peixe Bravo concluiu seu processo de constituição com a eleição de seus conselheiros e coordenadores, ampliando a gestão descentralizada que é marca do CBH Rio das Velhas. Com intensa atividade agropecuária e sem Unidade de Conservação constituída, a UTE Peixe Bravo possui grandes desafios pela frente – que serão enfrentados pela força de seu povo.
A capital do folclore 1b3x6v
Seguindo o curso do Rio das Velhas, das nascentes em Ouro Preto em direção ao Rio São Francisco, a primeira cidade da UTE é Jequitibá. Antigo entreposto no tempo em que o Brasil era colônia de Portugal, os primeiros bandeirantes chegaram à região ainda no século XVII, e o município quase foi capital da colônia no lugar de Ouro Preto, antigamente chamado Vila Rica. Hoje, a cidade é mais conhecida por ser considerada a capital do folclore de Minas Gerais.
É lá que as mais diversas manifestações da cultura e do saber populares encontraram terreno fértil para florescer. Pastorinhas, contra-dança, dança do Tear, Fim de Capina, Folia de Santo Antônio, Folia de Santos Reis, Folia de volta dos Magos, Folia de Nossa Senhora Aparecida, Boi da Manta, Incelências para Chuva, Encomendação de Almas, Ladainhas, Casamentos com Embaixada, Dança da Vara, Congado, Cantigas de Roda, Dança da Fita, Lavadeiras, Cantadeiras… tudo preservado com carinho pela população. As histórias, os cânticos, as vestimentas, as tradições e tudo o que envolve os festejos são ados de geração em geração.
Uma das folias mais antigas do Brasil, a Folia de Reis da Comunidade do Souza, celebra a visita dos Reis Magos à manjedoura do Menino Jesus há mais de 200 anos. ando de casa em casa entre os dias 24 de dezembro e 02 de fevereiro, os membros da folia, com seus instrumentos de percussão, viola e violões, cantam e dançam homenageando o recém-nascido Jesus e os magos Gaspar, Belchior e Baltazar, caracterizados com roupas e máscaras. Além dela, outras oito folias estão registradas no Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA-MG) como patrimônio cultural de Minas Gerais.
Segundo a tradição católica, Jesus teria nascido em uma gruta em Belém, cercado por bois e ovelhas e deitado numa manjedoura daqueles animais. Também Jequitibá é conhecida por suas grutas e cavernas, e está inserida no Circuito das Grutas de Minas Gerais. Nesse sentido, ainda que não tenha Unidade de Conservação instituída, a UTE Peixe Bravo possui uma forte candidata: a Serra de Baldim. Localizada entre os municípios de Jequitibá, Santana de Pirapama e Baldim, a serra é conhecida por ser uma grande reserva de salitre, matéria-prima para a pólvora, e também por possuir grutas e cavernas características da região do carste.
Diversos grupos populares marcam a história de Jequitibá, considerada capital do folclore de MG, palco de folias e outras manifestações culturais.
“Traíras Ontem, Pirapama Hoje” 194y2y
Sant’Ana, padroeira da cidade de Santana de Pirapama, era, segundo a tradição católica, esposa de São Joaquim e mãe de Maria de Nazaré – ou seja, avó de Jesus. Na cidade, há uma igreja antiga, do século XIX, em honra à santa. Mas o que significa “pirapama”?
“É um nome indígena, significa ‘peixe bravo’”, conta Maria Magna Moreira, coautora do livro “Traíras Ontem, Pirapama Hoje”, idealizado pela amiga Maria Ilta Teixeira, bibliotecária aposentada de Santana de Pirapama. No livro, as amigas contam a história da cidade e aludem no título à mudança do nome de Santa Anna de Traíras (peixe bravo comum na região) para Santana de Pirapama. “Eu trabalhei na biblioteca durante toda a minha vida, e nela a gente tinha muita dificuldade de ar para outras pessoas algumas coisas sobre Pirapama”, conta Ilta.
Segundo ela, a ideia era deixar algum material para consulta dos pirapamenhos. “Não tinha muita coisa na biblioteca, só uma enciclopédia dos municípios mineiros e um livro falando pouca coisa. Aí eu fui juntando algumas coisas sobre a história da cidade, mas, como não sou escritora, convidei essa minha amiga, Magna, que é historiadora. Eu já estava quase me aposentando, e queria deixar lá na biblioteca uma apostila para as pessoas pesquisarem”, relembra. A apostila rapidamente se transformou num livro de mais de 200 páginas que guarda a história da cidade e de seus habitantes.
Amigas Maria Ilta e Maria Magna idealizaram livro sobre a história da cidade, antiga Santa Anna de Traíras. Vapor Saldanha Marinho percorreu, no ado, o Rio das Velhas, de Sabará a Juazeiro (BA), levando cargas, metais preciosos e ageiros. Traíras, atual Santana de Pirapama, era entreposto comercial.
Para Magna, uma das principais características históricas de Santana de Pirapama é de ter sido entreposto entre Sabará e o Rio São Francisco quando o Rio das Velhas era navegável. “Pirapama surgiu como entreposto comercial, às margens do rio num momento em que o Rio das Velhas era navegável. Era uma rota que partia de Sabará até a foz, lá no Rio São Francisco, que, a partir de então, era caminho para o Nordeste. Na época era ainda Arraial de Traíras. Era o lugar onde as embarcações faziam uma pausa na viagem e eram abastecidas de produtos da região, que iriam ser comercializados em outras regiões”, informa.
Embora não more mais em Santana de Pirapama, ela lembra da sua ligação com o rio. “Eu nasci no interior de Pirapama e, na minha infância, eu caminhava duas horas para chegar à escola lá dentro da cidade. Eu atravessava o Rio das Velhas de canoa para chegar à escola – então, durante um bom tempo, o rio era o primeiro obstáculo entre mim e meus sonhos. Mas, ao mesmo tempo, foi o rio também que me proporcionou a minha existência neste espaço”, conta, agradecida.
Santana de Pirapama: referência indígena deu nome à Unidade Territorial Estratégica Peixe Bravo.
Cidade natal s3n2k
Atravessar o Rio das Velhas numa embarcação era comum antigamente. Andrea Valgas de Carvalho, professora na cidade, relata que muitas vezes fez essa travessia com sua família. “Eu tinha de atravessar o rio sempre que queria ir à casa dos meus pais. A minha filha mais velha, toda travessia, nos seus quatro, cinco anos de idade, perguntava: ‘por que o rio está sujo? Quem sujou? Como faz para limpar?’ Hoje eu sinto muito orgulho de saber que ela está na liderança do CBH Rio das Velhas, fazendo o que ela pensava”, lembra, emocionada, da relação da sua filha, Poliana Valgas, presidenta do Comitê, com o rio.
Andrea é membro do recém instituído Subcomitê Peixe Bravo – cujo nome foi sugerido por ela. “Traíra foi o primeiro nome do município de Santana de Pirapama, o peixe conhecido por ser bravo e arisco era encontrado em grandes quantidades no curso d’água da cidade, também conhecido como Córrego das Traíras. Atualmente não encontramos tantos peixes bravos na região, assim como o córrego não possui o volume de águas de outrora”, lamenta.
O novo Subcomitê p6qi
A Vila de São Joaquim, na cidade de Presidente Juscelino, guarda diversos patrimônios culturais, tanto materiais, como a Capela de São Joaquim e o Porto do Rio das Velhas, como imateriais – é o caso da Folia de Reis da Vila, também registrada no IEPHA. Ali, na comunidade, havia uma balsa que ligava a cidade ao município de Curvelo, na outra margem do Rio das Velhas, inaugurada por Juscelino Kubitschek. Enquanto a sede do município se encontra fora da UTE Peixe Bravo, a vila se encontra totalmente inserida no território. Para Iraci Aparecida de Oliveira, representante da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Subseção Sete Lagoas no Subcomitê, a riqueza de Presidente Juscelino se encontra em seu povo. “A beleza de Presidente Juscelino está na riqueza singular do modo de vida do seu povo. Povo trabalhador, descendente de várias etnias, cada qual com sua crença, religiosidade, costumes, culinária, ditados e dizeres”, celebra.
Iraci de Oliveira (esq.), conselheira do novo Subcomitê Peixe Bravo, na Capela de São Joaquim, na vila homônima pertencente ao município de Presidente Juscelino. Poeta das barrancas do Rio Cipó, Zezinho (dir) é o coordenador-geral do novo Subcomitê Peixe Bravo.
Nessa pequena vila às margens do Rio das Velhas aconteceu a primeira reunião para a criação do SCBH Peixe Bravo. A presidenta Poliana Valgas, em 2018, por ocasião de uma oficina de capacitação e educação ambiental em Santana de Pirapama, afirmou que esperava que o projeto hidroambiental que estava sendo executado à época fosse um incentivo para a constituição do Subcomitê. “As pessoas ainda não estão mobilizadas e engajadas para lidar com a dinâmica dos Subcomitês, mas a gente pretende muito um Subcomitê aqui”, disse à época.
O projeto ambiental em questão tinha por objetivo apresentar técnicas para produção e conservação de água em propriedades rurais. Com orçamento de quase R$ 1,2 milhão, o projeto foi o primeiro da UTE e beneficiou microbacias em Jequitibá e Santana de Pirapama com bacias de captação, execução de terraços, cercamento de áreas de preservação e plantio de mudas nativas.
Na mesma região, ao sul da unidade territorial, foram aplicadas as metodologias de Zoneamento Ambiental e Produtivo de Sub-Bacias Hídricas (ZAP) e de Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas (ISA), num projeto em que foram investidos quase R$ 500 mil, com o objetivo de elaborar um programa de recomendações a serem adotadas junto aos produtores rurais e demais usuários da bacia, visando à conservação dos recursos naturais e à manutenção e melhoria da capacidade produtiva. Além desses projetos, o CBH Rio das Velhas também financiou os Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSBs) dos três municípios.
Comunidade de Tibuna, em Santana de Pirapama. Córrego Riachão na comunidade do Onça. Com fechos de lenha sobre a cabeça, trabalhadora rural atravessa ponte sobre o Rio das Velhas, em Santana de Pirapama, na UTE Peixe Bravo.
O saneamento básico realmente é um obstáculo na UTE. Segundo o Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH) da Bacia do Rio das Velhas, o território não dispõe de qualquer tipo de tratamento de efluentes. José Geraldo Silvério, conhecido como Zezinho, coordenador do recém-criado Subcomitê, reflete que já não é mais possível aceitar essa situação. “Não dá mais para deixar o Rio das Velhas ter esgoto a céu aberto. Precisamos dobrar as forças para que o saneamento básico seja uma prioridade para despoluir o rio e, assim, preservar. Como está é uma vergonha para nós”, protesta.
Para enfrentar esses desafios, a mobilização popular é essencial. O Subcomitê Peixe Bravo, que acabou de nascer, tem em sua população seu maior ativo, como lembrou Iraci. Que o bravo povo da região encontre forças em sua sabedoria secular
para vencê-los.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Leonardo Ramos